segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

PEGANDO PICULA POR AÍ!

Parando o carro diante do semáforo, sol a pino, calor insuportável, ouvi o desabafo: "...picula comigo não, não vou ficar pegando picula com esta molecada não.", olhei para o lado e um senhor de cabelos brancos, em um fusca dos mais antigos, daqueles que os pára-choques ainda eram niquelados, com a testa franzida e as fartas sobrancelhas quase se tocando, quando notou que olhei para ele, repetiu a idéia que acabara de expressar: "A gente quer ir para esquerda os moleques não deixam, a gente acelera, eles aceleram, a gente reduz, eles reduzem, se quiser ir para direita é a mesma coisa, ficam disputando um correria de doido, mas comigo não, picula comigo não!". Só tirei a atenção do desabafo do ancião quando fui alertado pela buzina nervosa do carro imediatamente atrás do meu, pelo fato do semáforo ter ficado verde. A primeira atitude é dar partida ao carro e desobstruir o trânsito, que hoje em dia não permite distrações, e em qualquer desatenção pode criar um conflito de consequências catastróficas. A tal picula, que não dá descanso nas ruas de nossas cidades, como se toda competição da qual somos privados em nossas rotinas diárias fossem transferidas para este frenesi louco que se transformou o transito das grandes e médias cidades do Brasil, e quem sabe do mundo inteiro. Picula. Se a palavra me reportava a infância, também me fazia rir. Para mim, picula era correria, uma brincadeira de criança, como um pega-pega, ou apenas uma aposta de corrida pelo simples prazer da competição. Uma satisfação, uma brincadeira prazerosa entre amigos, embora as vezes prevalecesse a competição e a busca por superar o adversário, a picula nunca pretendeu ser mortal e sempre que brincávamos de picula era com o consentimento dos concorrentes, não por imposição ou por provocação gratuita, como realmente vem acontecendo no transito de nossas cidades em todo Brasil, quiçá em todo mundo. A competição já é naturalmente inerente a natureza e ao comportamento humano, e tem sido extremamente estimulada por um grande número de empresas de comunicação de massa, estas incentivadas, em regra, por grupos e cartéis econômicos que se beneficiam com este tipo de atitude (que pode atingir níveis patológicos), e tem realmente vindo desembocar de forma catastrófica em nosso transito, onde um número respeitável de indivíduos se dedicam a escolher adversários inocentes, e resolvem contra eles competir sem que o outro saiba, ocasionalmente provocando acidentes desnecessários e sem sentido. Realmente aquele senhor tem razão em sua revolta, está se tornando um problema, muitas vezes, trocar de pistas em uma avenida, pois é comum que o motorista do carro ao lado resolva não deixar, como se houvesse uma verdadeira competição visando a manutenção de determinado status, que só está na cabeça do indivíduo que resolve disputar uma condição qualquer com o mundo, sem que o mundo saiba, de longe sequer, de sua disputa particular. É sem dúvida uma nova doença de caráter psicológico de nossos dias, e nós temos que descobrir um forma de conviver com ela, já que se torna, a cada dia, mais comum em nossa ruas e estradas. Não é raro estar viajando e ultrapassar um veículo, que logo lhe ultrapassa adiante, depois reduz a velocidade até que você o ultrapasse, para que ele volte a tornar lhe ultrapassar, em um desafio de velocidade, sem o menor sentido. Realmente, como afirmou o cidadão que conduzia o fusca, é uma picula (um pega-pega como definem alguns dicionaristas para conceituar esta palavra), como as crianças brincavam antigamente, mas só, que com as crianças era sem maldade e sem risco de acidentes sérios, diferente da piucula que os motoristas neuróticos propõe hoje gratuitamente sem o consentimento do outro. Todos nós, de certa forma, já brincamos de "picula", mesmo que com outros nomes, como "pique", "pega-pega" e mais uma grande variedade de nomes, de acordo com cada região. É uma brincadeira divertida, as vezes provocada por um desafio qualquer, como: "...quem chegar por último é mulher do padre", e disparar à frente dos amigos, ou simplesmente propondo: "vamos ver quem chega primeiro", e nesse caso tem um "já" e um alinhamento para iniciar a corrida. A variedade de formas de "pegar uma picula" (expressão mais comum no sertão baiano) provocou uma conceituação de regras na enciclopédia livre virtual, Wikipédia, que afirma: " seria um jogo tipo pega-pega ou que naturalmente em outras regiões assim seria chamado e que pode ser jogada por um número ilimitado de jogadores e possui inúmeras variantes. De modo geral, o jogo consiste em dois tipos de jogadores, os pegadores e os que devem evitar ser apanhados. Cada variante do jogo possui uma forma diferente de se estabelecer como os demais serão pegos, em geral por meio de um toque. Quem for tocado, automaticamente vira o pegador, dependendo do todo da brincadeira". O dicionário Houaiss simplifica o significado da picula apenas como "pique", o qual define como: "corrida, volada, correria" ou "grande disposição; entusiasmo, garra" ou ainda " movimentação intensa; agitação, tumulto"; neste último conceito, realmente, bastante harmonizado com o entendimento do senhor que conduzia o fusca. Tumulto é sem dúvida o que vem provocando esta nova neurose de centros urbanos de médio e grande porte, provocando gratuitamente pessoas inocentes, que naturalmente irão desenvolver este ou outro tipo de neurose de comportamento, tornando a convivência social cada dia mais problemática. Quem não brincou de picula na infância, certamente terá sua oportunidade nas ruas das nossas cidade de médio e grande porte, porque de maluquices é quase impossível escaparmos, e assim vamos ter que sair pegando picula por aí, mesmo sem querer.